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Sequência de relatos da RAAM 2019 #4

Período: sexto dia


Escolhi para me acompanhar no relato deste momento a Roberta Fonseca (Beta), grande amiga e parceira de vida que esteve no RAAM 2019 e 2009.


Meu relato - sexto dia da RAAM 2019


Foi sinistro!

Chegar na líderes foi duro, sofrido, foi pura superação. Venci meu mal estar e estava novamente dentro da competição. E agora? Como seria manter e brigar pela liderança na maior ultra do mundo e ainda com a metade da prova pela frente? Seriam pelo menos mais 4 a 5 dias ate o final.


Ainda estávamos em Kansas, bem no meio dos USA. Ali onde não há absolutamente nada nem ninguém... Nem curvas, rs. Somente plantações e mais plantações. De tempos em tempos cruzávamos por uma cidade pequena ou comunidade.


Naquele momento, das 3 lideres, Leah Goldstein e eu estávamos mais fortes. A suíça Isa Pulver estava em processo de recuperação pois teve problemas no pescoço/coluna. Leah sempre fortíssima, não demonstrava menor sinal de "problemas" e ou "fraqueza", super normais em uma RAAM. Ela era uma rocha!


Eu não cruzava com nenhuma delas desde a linha de chegada. Apesar de trocarmos de posições, isso não havia acontecido na pista, alternávamos porquê uma estava dormindo e/ou comendo.


O ritmo era intenso, estava rodando em 24h com uma boa média boa de km. Estávamos todos motivados. Equipe completa com a chegada do Crico, da Beta e da Ju. Eu já estava comendo tudo e estratégia de pit stops estava funcionando, enfim, o time estava em um ótimo momento. Ah!! Isso em ultra é igual a você estar navegando em alto mar, quando, tanto o vento quanto a maré giram ao seu favor... fazer o quê?! Só resta surfar e ir. Foi o que fiz!


Leah neste momento deveria estar a quase1h na minha frente, comecei este ataque comigo mesma, sem comentar ainda com a equipe mas, óbvio que eles já deviam ter notado. Fui apertando ritmo já no início do dia diminuindo as pausas, evitando de colocar os pés no chão. Queria muito conseguir ver como a Leah estava pedalando. Foi assim o dia inteiro. Entrou a noite e eu continuava no mesmo ataque silencioso. Daí, houve a troca de tripulação do followcar, o grupo da madrugada era Beta, Ju e Howhow. Entraríamos num trecho plano sem fim, mesma rodovia por milhas e milhas de fácil navegação e assim seguimos para mais uma madrugada.

Chamei o carro ao lado e comentei: "To o dia todo doida para ver e cruzar com a Leah igual como foi com a Janet em 2009. Não sei se vamos conseguir, só sei que vamos ter por aí uns 5 dias para tentar!", na esperança ainda acrescentei: "tenta ver aí a nossa diferença como está". Daí fui segui pedalando. A música estava ótima, temperatura perfeita, pouquíssimo vento, pedal fluindo. Estava me divertido, era uma noite de RAAM bem agradável.


A internet estava ruim e o followcar não conseguia saber nossa diferença. Nada atualizava. Beleza, era melhor não me preocupar mais, pensava que longe ou perto, a linha para a chegada (Anápolis-US) ainda está muito distante. Era preciso focar no momento e seguir o jogo. Assim foi por alguns minutos, talvez umas 2 horas, até que vi umas luzes bem pequenas e distantes. "Espera um pouco". Pensei. "luzes! Ahhhh!" Não aguentei e chamei o carro. Beta, ligada em tudo como sempre, logo chega no meu lado e percebo que ela, Ju e How já estavam com outra cara. Todos estávamos pensando a mesma coisa, seriam aquelas luzes a Leah e seu followcar?! Nem precisei perguntar, TODOS JUNTOS : "é ela mesmo!!"


Nossa... estava muito, muito longe. Tão longe que por varias vezes duvidei de nossa certeza absoluta. Afinal, poderíamos todos estarmos tendo a mesma alucinação, estávamos com sono, rs. "Esquece sono!! Partiu o ataque às luzes tão tão distantes !"


Como demorou para chegar perto, as luzes não cresciam, não se aproximavam nunca! Tinham momentos que sumiam. Beta chegou do lado com Ju e How, perguntei novamente: "Será que é ela mesmo? Tô achando que pode ser uma fazenda, sei lá??". Eles responderam: "É ela sim!".

Assim seguimos, pedalando e perseguindo. Quando levantei a cabeça, busquei um foco e vi, a luzes haviam aumentado de tamanho, agora estava mais nítido. Já enxergava detalhes o carro de apoio com todas sinalizações. A emoção toma conta de você na hora. Tudo muda. Controlei meu ritmo para sentir como estava o ritmo dela em relação ao meu. Estávamos no plano e não é nem o meu forte, nem o da Leah. Ficamos ali alguns poucos minutos e parti para o ataque da ultrapassagem.


Na RAAM quando você se aproxima de outra ciclista, menos de 50m, já deve iniciar um processo de ultrapassagem. Não é permitido pedalar junto nem pegar vácuo. Então quando se aproximar, deve ultrapassar ou então deixar ir e abrir um espaço mínimo permitido. Ultrapassei o followcar da Leah e cheguei ao seu lado. Nos cumprimentamos e nos desejamos um bom RAAM, como um "bom caminho", e fui. Explodindo por dentro e tentando me controlar ao máximo. Felicidade mil, ficava imaginando em como estariam Ju, How e Beta no carro... para comemorarmos precisávamos nos distanciar um pouco deles. Daí foi só alegria, o pessoal do follow car que estava clima sono e focou na missão, estava agora com clima de festa, boate com som bombando. Maior festa, no meio do NADA. Isso é Race Across America.


A comemoração foi rápida e intensa e voltamos logo para pista. Senti que bastava manter meu pace e a estratégia dos pit stops que iríamos abrir uma boa vantagem até chegar nos Apalaches, local onde deveria estar bem para fazer força. Falando em estratégia, o próximo pit stop e o local onde encontraríamos o motor home com o resto da equipe já estava próximo. Do local da ultrapassagem até chegar neste pit stop foram mais ou menos umas 3h de pedal ou seja, já conseguiria abrir alguma vantagem dela antes de meu descanso. Motivada pela ultrapassagem, coloquei mais força no giro. O sono foi embora, estava ligadíssima, foi o momento de maior potência de todo esse dia, o que foi perfeito, pois o momento de recuperação estava próximo.


Tudo estava fluindo e, já chegando no nosso ponto de encontro, o cansaço e sono chegaram com toda força. Assim, de repente, os últimos 8km foram bem arrastados... já estava vindo o desespero de dormir na bike quando apareceram umas casas. Pensei "Ufa! Acorda que tá chegando". Curva para cá, outra para lá, avenida principal, posto de gasolina na esquina e motorhome ali. Pensei "Ufa!!! Chegamos. Uhulllll!!". Queria muito contar como foi a ultrapassagem, estava doida para contar tudo, correr, descansar e partir o quanto antes. Nesse momento, POOUUUUU!!! Minha roda dianteira entrou num buraco e eu caí, fui ao chão. A beta estava direção com carro grudado em mim, parou nem sei como!? Só sei que o carro parou. Todos já estavam me levantando e pegando a bike. Tive somente muitos ralado, nada que me tirasse e/ou atrapalhasse a competição.


"Mas e a Beta? Como ela está?" Foi o maior susto. Só fui me dar conta disto quando doutor estava cuidando das feridas. Não para de pensar "Como está a Beta?!" Coisa de doido, ela estava sentada há horas dirigindo devagarzinho, como teve tamanho reflexo para frear o carro em tempo? Jogadora de vôlei tem bons reflexos!! Beta é casca grossa, tipo faixa preta. Minha amiga que arrebenta em tudo. Boa de briga, tinhosa, não entrega os ponto, sempre dá um jeitinho e resolve coisas incríveis. Ela tem uma resistência descomunal, já competimos muito juntas na bike, em corridas de aventuras, canoa e já era a segunda RAAM! Passamos por muita coisa juntas, muitas gargalhadas, adoro gargalhar ao seu lado. O esporte e as competições só fortaleceram uma amizade que carrego para minha vida. Confiança e cumplicidade que só os amigos têm. Valeu Beta! Ter você e Crico nas duas RAAMs fizeram a diferença no resultado. Estamos sempre juntas desde a maior roubada até a maior alegria, kkk.


E daí fui... segui pedalando.

 
Relato Roberta Fonseca (Beta) - sexto dia da RAAM 2019

Para equipe, montamos algumas perguntas para que o resgate às lembranças da prova seja mais simples.


1) Como foi encontrar com a equipe reduzida, já desgastada, no meio da prova? O que você sentiu da Dani nesse primeiro momento?

Então a gente desembarca no Kansas em uma cidade chamada Wichitta, chegamos eu, Crico e Júlia no mesmo avião. No aeroporto mesmo a gente já contactou o Alexandre e o How para combinar o encontro e ver onde eles estavam. Como ela ainda estava afastada conseguimos dormir algumas horas. No meio da madrugada acordamos e já fomos para o ponto de encontro onde ela iria passar. Ao nos reunirmos, foi aquela festa, todo mundo muito animado! A gente estava com o maior gás, eu, Crico e Julia e loucos para ajudar, nos inteirarmos e entrar na prova. Ali a Dani já chega, junta a equipe e fala: “olha a partir de agora é MODE RACE, eu vou dormir pouco e quero partir para cima das outras” Isso já era o dia 5 da prova.


Até entrarmos na prova a equipe era de cinco pessoas, Alexandre, How, João, Vivian e a Mel para dirigir 2 carros e para acompanhar também 2 carros, afinal tem que ter um copiloto. Eles estavam praticamente cinco dias bem virados e bem cansados. A gente tentou suprir o máximo! Assim que chegamos, já ficamos muito ativos e direto na direção, a gente precisava dar um gás. Então esses primeiros dias, a partir da nossa integração com a equipe , ficamos bastante tempo na atividade, fazendo o máximo possível para que as outras pessoas da equipe de apoio pudessem descansar um pouco.


2) O você sentiu no momento da ultrapassagem, 1ª liderança da Dani na prova? Como foi lidar com a pressão da liderança acirrada ?

Bom, eu sou super competitiva então assim a gente chegou já motivado e com a adrenalina lá em cima. Logo que chegamos na prova me lembro de ver a Leah e o carro dela. Inclusive o segundo carro (carro de filmagem) da Leah marcava a gente, chegava perto da Dani, filmavam ela pedalando e acompanhavam o que ela estava fazendo. Teve inclusive um momento, que ficamos bem incomodados! No dia seguinte a Mel, capitã da equipe reportou o fato e reclamamos com a organização.


Nesse clima competitivo, na segunda ou terceira noite a gente ultrapassou a Leah enquanto ela e sua equipe descansavam. O followcar dela estava parado num estacionamento, quando passamos foi uma super festa no carro, eu, How e Julia comemoramos muito! Ali começou a disputa acirrada pela liderança que durou até o final da prova.


3) Durante a sua direção a Dani sofreu um acidente enquanto você estava na direção, como foi para você e como superou essa experiência durante a prova?


Bom então, na mesma noite da primeira ultrapassagem, perto do PC (ponto de controle) onde a gente ia trocar a equipe, a Dani cai de repente. Eu estava dirigindo o followcar, quando vi já pisei no freio com tudo. Assim, não consigo explicar, porque ninguém esperava.


Ia começar amanhecer, a gente estava chegando num posto de gasolina, eu estava dirigindo atrás da Dani e a ganho de repente cai. Ela escorregou em buraquinho na pista perto do posto de gasolina que iríamos fazer a troca da equipe. Assim que ela caiu, ela levantou, e graças a Deus ela não estava pedalando rápido. Foram só alguns arranhões e ainda bem que tive um reflexo muito grande ali naquele momento. A gente parou por um momento para agradecer que nada de tão grave tinha acontecido. Dessa forma, o caso foi superado rapidamente. Eu fiquei mais atenta a partir disso, óbvio, porque eu dirigia a noite e, como a visibilidade é menor, a possibilidade de ter um buraco na pista aumentava o risco. Mas, graças a Deus, só aconteceu isso e superamos bem o acidente.


4) Quais diferenças você sentiu entre 2009 e 2019?

A mudança de estratégia da Dani ao longo da prova foi impressionante. Quando ela fala para gente que ia começar o MODE RACE significava que ela ia só parar na hora que o corpo realmente pedia. As paradas demoravam meia hora no máximo, às vezes 15 minutos. Eu vi a Dani na penúltima noite ao pedir para pararmos para uma soneca em uma cidadezinha na madrugada dormir na calçada por 15 minutos. Era madrugada, a cidade não tinha ninguém, estava deserta, nós paramos o carro em uma vaga e ela deitou de barriga para cima com um casaco no pescoço e cochilou o tempo que precisava.


Essa estratégia foi bem diferente da que adotamos em 2009. Neste ano a gente parava todas as vezes em hotel de beira de estrada e a equipe inteira dormia durante umas 4 horas, pelo menos. Isso não tivemos em 2019, a estratégia nova fez com que a prova fosse realmente uma corrida, nós ficávamos marcando a adversária e a prova acabou sendo realmente super acirrada. A nova estratégia otimizou muito o tempo que a gente tinha e fez diferença para a liderança da Dani no final.


5) Que outras observações você gostaria de fazer sobre a experiência do RAAM 2019?

Em 2009 era tudo novo né, a gente não sabia o que ia acontecer nem como é que ia ser. Montamos uma estratégia e a seguimos até o final, éramos onze e tínhamos um líder na equipe muito experiente que foi contratado, o Rafael Campos.


Em 2019 a gente já tinha experiência, toda a equipe já tinha participado de ultras. Só que em 2019, para mim, aquela RAAM foi uma copa do mundo do Race across América porque conseguiram juntar ali seis competidoras de altíssimo nível. Lembro bem da Seana Hogan que era tricampeã da RAAM, a Isa Pulver que tinha começado super bem e já havia competido com a Dani em outras provas na Europa, a Leah que tinha sido exército israelense... enfim, para mim foi a copa do mundo real. O RAAM 2019 teve uma chegada totalmente acirrada 1:30h de diferença entre as duas primeiras colocadas, foi sensacional! Lembro que nós tínhamos acabado chegar no píer de Anápolis e, quando a gente estava ali no bar comemorando, a gente ouviu a Leah chegando. Então, nós corremos lá no palanque pra ver a chegada dela também.


Foi emocionante de ver, apesar de toda a experiência, apesar de não ser a primeira vez, foi uma prova muito emocionante em 2019. Cada uma tem a sua importância, 2009 por ser a primeira e 2019 por ter ganho, pra mim, a copa do mundo!



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