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Sequência de relatos da RAAM 2019 #3

Período: quinto dia


Escolhi para me acompanhar no relato deste momento o Maurício Lacerda (How), mecânico e consultor para todos assuntos tecnológicos, um grande amigo que me acompanha desde sempre no ciclismo e esteve no RAAM 2019 e 2009.



Meu relato - quinto dia da RAAM 2019

Finalmente a vontade de comer e beber voltaram. O mal estar que tive nas primeiras 24h estava sendo vencido. Obviamente que aquele hambúrguer com batata frita foi o único que comi na RAAM, depois voltei com a dieta progamada. Até o Colorado estava seguindo no MODO CONSERVADOR. Sem ataques, focando muito na minha recuperação, ainda estávamos fazendo pausas longas (3 a 4h de descanso por dia)


Fui me sentindo melhor, curtindo as subidas. As montanhas me fortalecem. O sofrimento das subidas e o divertimento das descidas me dão um ânimo que não tem explicação. Assim foi o Colorado. Recuperei muitas posições e entramos em Kansas já dentro da competição novamente.


Quando vi a placa "BEM VINDO A KANSAS", já na minha TT (bike time trail), estava amanhecendo e paramos no acostamento para tirar casaco e coletes refletivos. Fiquei com uma pergunta engasgada pois estava com medo da resposta. Afinal, qual seria a minha posição? Fiquei com essa pergunta me remoendo desde o Colorado, por todas as ultrapassagens que fiz… mas tive medo de perguntar e ficar competitiva demais. Afinal ainda tinham muitos quilômetros pela frente.


O Clarindo (grande amigo ciclista que me ensinou muito sobre o RAAM) sempre me falava: “Dani nas ultras você tem que controlar sua competitividade, isso pode ser sua desgraça pois irá variar muito seu pace e vais pagar caro com isso” e eu sempre tentei seguir seu conselho. Bom, nesses 10 anos competindo em ultras e já com três títulos mundiais, sempre segui isso. Ou melhor, só procurava saber das adversárias nas últimas 24h e/ou no final das provas. Minha equipe é quem monitora as posições. Todos da equipe sabem disso e não comentam em momento algum a minha posição, inclusive caso eu pergunte.


Era terceiro dia de prova, entrando em Kansas, eu estava me sentindo super forte, doida para sentar o cacete na TT, conversando com meus pensamentos e com Clarindo. Já com toda essa bagagem de ultra, prometi a mim mesma que seria capaz controlar minha competitividade, tomei coragem e perguntei: "como estou em relação às líderes?" No followcar estava comigo o Alexandre e How. How falou : “Dani, somos terceiro“. Sim, mas quero saber a diferença! - Respondi. Alexandre e How pararam um momento e falaram: ”a segunda colocada tá uns 70 km à frente, a lider (neste momento era a Isa Pulver), esquece… ela tá a mais de 140 km!" Respondi "ok, então vamos pegar a segunda. How, MODO RACE ON!". A ideia era trocar a estratégia. Não iria mais fazer pausas longas, de 4 horas seguidas. Agora seriam pausas pequenas a cada 10 a 12 horas de pedal e com o apoio mais próximo do motorhome para me alimentar bem. Solicitei que todos da equipe fossem avisados da decisão.


Alexandre e How entraram no carro, estavam animados como eu e passaram as informações para restante da equipe. Todos rapidamente se ajustaram a essa troca de estratégia e partimos para o ataque.


Estar com Howhow ali, neste momento de mudar o passo e atacar foi fundamental. Confio nele totalmente, ele me conhece na bike mais que ninguém. O How me ensinou a pedalar! Isso me deu uma confiança, uma força e cruzei Kansas pedalando forte, feliz, ouvindo música e ganhando terreno. A diferença estava reduzindo.


Com How ao meu lado eu posso estar na pior, posso estar ferrada mas o astral e a energia estará sempre boa. Sua risada me contamina, chego a fazer xixi nas calças de tanto rir com ele. As suas broncas e seus esporros me fazem acordar. Eu sei que com ele ao meu lado não terá tempo ruim! E neste momento de “virada” ele estava comigo. Óbvio que com este cenário eu cruzei Kansas mais forte que todas as outras competidoras. Isso fez toda a diferença.


Cheguei na segunda colocada, nesse momento era a Leah Goldstein, “fresquinha” para brigar. Enquanto elas pareciam já desgastadas pela briga da liderança que travavam há 4 dias de RAAM. Passar mal no primeiro dia foi minha salvação. Me poupar energia da briga inicial da liderança e foi a chave do meu sucesso pois estava me sentindo forte e cheia de vontade de competir. As 3 líderes juntas, praticamente não havia diferença entre nós. Minha equipe, assim como eu, também estava fortalecida. No Kansas, a Roberta, o Crico e Juju chegaram para completar o time. Isso nos deu um gás enorme.


Deste ponto em diante a guerra começou. Ou seja , estávamos todos de tanque cheio para a batalha. Como se tivéssemos novas armas. Falo em guerra, armas , batalhas pois a RAAM é uma prova de sobrevivência. Além de ter que sobreviver até a linha de chegada, queríamos ser melhor do que fomos em 2009 onde fui Campeã . O que é melhor que isso? Bi Campeã. Ser bicampeã e com tempo melhor que já havia feito. Como conseguir isso 10anos depois?! Com How do meu lado nada é impossível!


Por isso que SEMPRE antes de me inscrever para qualquer ultra , ligo para How e pergunto : vamos nessa ?

 
Relato Maurício Lacerda (How) - quinto dia da RAAM 2019

Para equipe, montamos algumas perguntas para que o resgate às lembranças da prova seja mais simples.


1) Houve alguma surpresa ou imprevisto durante a prova com os equipamentos?

Não tivemos nenhum problema, com a experiência passamos a trabalhar com redundâncias. Inclusive na bike que levamos tínhamos uma sobressalente.


2) Como foi acompanhar a evolução/recuperação da Dani nesses primeiros dias, período que estava passando mal à liderança?

Foi bem interessante porque ela passou mal no início da prova. Ela não estava se alimentando com comida sólida então tínhamos que está sempre focados na sua hidratação. Depois do terceiro dia ela ficou melhor e começou a comer, logo depois já começou a caça das competidoras.


3) Como foi para você e para equipe a carga de trabalho na fase inicial da prova, enquanto a equipe estava reduzida?

No início ficou super corrido com a equipe reduzida, com poucas horas de sono, atenção extra na Dani por conta da desidratação e pouca trocas de equipe. Quando chegou o pessoal que faltava (Crico, Roberta e Julia) foi outra vida. Com mais trocas nós começamos a dormir mais, até 5 h de sono e conseguimos dar mais atenção e cuidado a Dani. Acho que o tamanho de equipe ideal são oito pessoas, tamanho da equipe que completamos.


4) Quais diferenças você sentiu entre 2009 e 2019?

Em 2019 estávamos muito mais entrosados já tínhamos corrido diversas prova então ficou melhor do que em 2009. Apesar de estar com oito pessoas na equipe deu super certo. Um ponto fundamental foi a integração entre nós, como todos somos amigos isso foi natural.


5) Que outras observações você gostaria de fazer sobre a experiência do RAAM 2019

Eu já tinha uma ideia que íamos baixar o tempo de 2009 mas não ia imaginar que ia ser uma loucura a disputa pelo o primeiro lugar. A equipe teve que estar sempre alerta, para ficar sabendo se a Leah (segunda colocada no RAAM 2019) estava andando ou dormindo e manter a Dani sempre informada.

A RAAM de 2019 para min foi uma prova que tivemos mais adversidades, comparada a RAAM 2009. Passamos pelo calor extremo, tempestade de fogo, alagamentos. Então, para mim, foi uma das provas mais duras para Dani e equipe.

Ganhar a prova 10 anos depois foi muito bom. E melhor ainda bicampeão, aí tiramos onda.



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